A ministra Macaé Evaristo classificou como “fracasso” a operação policial na Penha e prometeu perícia independente sobre as 121 mortes.
A ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo, classificou nesta quinta-feira (30) como “um fracasso” a operação policial nos complexos da Penha e do Alemão, no Rio de Janeiro, que deixou ao menos 121 pessoas mortas. A ação, realizada pelas polícias Civil e Militar, tinha como objetivo combater a expansão da facção Comando Vermelho, mas gerou forte repercussão nacional devido à alta letalidade.
Durante entrevista à imprensa após reunião com familiares das vítimas e lideranças comunitárias, Macaé prometeu uma perícia independente e autônoma para apurar as circunstâncias das mortes. O encontro ocorreu na sede da Central Única das Favelas (Cufa), na zona norte do Rio.
“Essa operação foi um fracasso. É inadmissível uma operação para o combate ao crime organizado, que é o que nós defendemos, não usar inteligência para garantir a sua efetividade”, afirmou a ministra.
Declarações contrastam com fala de Cláudio Castro
As críticas da ministra contrastam com a avaliação do governador Cláudio Castro (PL), que classificou a Operação Contenção como um “sucesso” em entrevista coletiva nesta quarta-feira (29). Para Castro, a ação teria desarticulado uma importante frente do tráfico e impedido o avanço da facção criminosa em comunidades da capital fluminense.
Segundo a Polícia Civil, a operação resultou na prisão de mais de 80 pessoas, além da apreensão de 118 armas e drogas. O governo estadual defende que a letalidade foi consequência de “confrontos intensos” com criminosos fortemente armados.
Ministério promete atuação coordenada com outras pastas
A ministra Macaé Evaristo afirmou que será criada uma comissão emergencial interministerial para atender as demandas da população afetada. A iniciativa envolverá os ministérios da Saúde, Educação, Assistência Social, Igualdade Racial e Mulheres.
“A comunidade trouxe dor e pedido de paz, mas também quer direitos — educação, saúde, assistência e trabalho decente para a juventude”, destacou Macaé.
A proposta inclui medidas de atendimento psicossocial, fortalecimento de serviços públicos básicos e ações de empregabilidade voltadas especialmente para jovens da região.
Anielle Franco: “Nenhum corpo tombado é aceitável”
Durante o encontro, a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, também manifestou repúdio à violência da operação. Segundo ela, o número de mortes evidencia a necessidade de repensar as estratégias de segurança pública.
“Nenhum corpo tombado deve ser aceitável. O Estado precisa proteger, não exterminar”, disse Anielle.
As declarações foram dadas diante de um cenário de comoção: moradores da comunidade de Vila Cruzeiro relataram ter retirado cerca de 80 corpos de uma área de mata após a operação.
Organizações pedem transparência e controle externo
Entidades de direitos humanos, como a Anistia Internacional Brasil e o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), também pediram transparência nas investigações. O CNDH informou ter solicitado formalmente ao Ministério dos Direitos Humanos a constituição de uma perícia independente para evitar qualquer tipo de interferência nas apurações.
Especialistas em segurança pública, ouvidos por veículos como a BBC Brasil e o G1, destacam que o uso da força sem inteligência e planejamento tende a gerar efeitos colaterais graves, como a morte de inocentes e a perda de credibilidade das forças de segurança junto à população.
Equilíbrio entre segurança e direitos humanos
A alta letalidade policial é um tema recorrente no Rio de Janeiro. Segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ), o estado registrou mais de 1.200 mortes em ações policiais em 2024, o que representa um aumento de 15% em relação ao ano anterior.
Enquanto o governo estadual defende operações como instrumento necessário para enfrentar o poder armado do tráfico, entidades civis e especialistas cobram políticas de inteligência e prevenção como alternativas mais eficazes.
“Se queremos combater o crime, temos que chegar onde está o dinheiro. Se há crime organizado, há setores lucrando com ele”, reforçou Macaé.
Reações políticas e sociais
Parlamentares federais e estaduais acompanharam as ministras no encontro, defendendo uma apuração rigorosa e independente. Nas redes sociais, o tema gerou ampla repercussão e dividiu opiniões: enquanto parte da população elogiou a operação como “necessária”, outra parcela cobrou responsabilização pelas mortes e mudanças na política de segurança.
A Defensoria Pública do Rio e o Ministério Público Estadual informaram que também abriram procedimentos de investigação sobre o caso.
A fala de Macaé Evaristo reacende o debate sobre os limites da atuação policial em territórios vulneráveis e o papel do Estado na garantia dos direitos humanos.
Enquanto o governo fluminense comemora resultados operacionais, o governo federal defende investigações independentes e medidas sociais estruturantes. O contraste entre as visões expõe um dilema central da segurança pública brasileira: como combater o crime sem violar direitos e sem ampliar o número de vítimas inocentes.

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