Lula cobra investigação paralela sobre megaoperação no Rio com 121 mortos e defende participação da Polícia Federal nas apurações.
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| Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante entrevista coletiva de imprensa com jornalistas estrangeiros, na Base Naval de Val de Cães. Belém - PA. Foto: Ricardo Stuckert / PR |
Uma semana após a megaoperação policial que deixou 121 mortos nos Complexos da Penha e do Alemão, na Zona Norte do Rio de Janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou nesta terça-feira (4) que o governo federal pretende pressionar por uma investigação paralela para esclarecer as circunstâncias das mortes.
A operação, considerada a mais letal da história do estado, foi deflagrada pelas forças de segurança do Rio para cumprir mandados contra o Comando Vermelho, principal facção criminosa da capital fluminense.
“A decisão do juiz era uma ordem de prisão, não uma ordem de matança — e houve matança”, afirmou Lula em entrevista às agências Associated Press e Reuters, durante viagem oficial a Belém (PA).
Governo federal quer legistas da PF na apuração
Segundo o presidente, o governo federal estuda envolver legistas da Polícia Federal no processo de investigação, como forma de garantir transparência e independência nas perícias.
“Vamos ver se conseguimos fazer essa investigação. Queremos saber se tudo ocorreu dentro da lei”, disse Lula.
A fala do presidente reacendeu o debate sobre a atuação das forças policiais em comunidades e o uso excessivo da força. Desde o início do mandato, Lula e o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, têm defendido uma política de segurança baseada em inteligência e prevenção, em contraponto a ações de confronto direto.
Cláudio Castro defende a ação: “foi um sucesso”
O governador Cláudio Castro (PL) respondeu às críticas e afirmou que a operação foi bem-sucedida, destacando que “as únicas vítimas foram os quatro policiais mortos em combate”.
Para o governo estadual, o objetivo da ação era cumprir mandados contra líderes do Comando Vermelho e desarticular rotas do tráfico de drogas. Segundo a Secretaria de Segurança Pública do Rio, todas as mortes ocorreram em confrontos armados.
Castro viajou a Brasília nesta terça (4) para tratar do tema com representantes do Ministério da Justiça e apresentar o relatório da operação.
Ministros e movimentos sociais acompanham o caso
A operação também mobilizou o governo federal. Os ministros Ricardo Lewandowski (Justiça e Segurança Pública), Macaé Evaristo (Direitos Humanos e Cidadania) e Anielle Franco (Igualdade Racial) visitaram o Rio de Janeiro na semana passada para acompanhar a situação e se reunir com familiares das vítimas e autoridades locais.
Entidades civis, como a Defensoria Pública do Estado e o Instituto Marielle Franco, pedem uma apuração independente. Para essas organizações, o alto número de mortos indica possível violação de direitos humanos.
“O que se questiona não é o combate ao crime, mas a forma como ele é feito. O Estado não pode agir fora da legalidade”, afirmou a defensora pública Renata Lira.
Operação mais letal da história do Rio
A megaoperação, realizada em 28 de outubro, contou com 2.500 agentes das polícias Civil, Militar e Federal. Foram apreendidas dezenas de armas, incluindo fuzis e granadas, e mais de 400 quilos de drogas, segundo o balanço divulgado pelo governo estadual.
A ação foi considerada a mais letal da história do Rio de Janeiro, superando o episódio do Jacarezinho em 2021, que teve 28 mortos.
Organizações de direitos humanos denunciam que há indícios de execuções extrajudiciais, o que motivou o pedido de investigação federal. Moradores relataram desaparecimentos e remoção de corpos por familiares, o que complica o trabalho de identificação.
Especialistas pedem equilíbrio entre segurança e direitos humanos
Analistas em segurança pública afirmam que a operação reacende um dilema recorrente no Rio: o desafio de conciliar o combate ao crime organizado com o respeito aos direitos fundamentais.
Segundo o sociólogo e pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Rafael Nunes, “o Estado precisa garantir a presença da polícia, mas sem transformar o território em campo de guerra. O número de mortos é desproporcional e precisa ser investigado com seriedade”.
Outros especialistas defendem a importância de enfrentar facções que impõem terror nas comunidades, mas criticam a falta de protocolos que priorizem a preservação da vida.
Pressão política e institucional
A fala de Lula repercutiu em Brasília e no Rio de Janeiro. Parlamentares da base governista apoiaram o pedido de apuração, enquanto aliados de Cláudio Castro acusaram o presidente de “politizar” o episódio.
O Ministério Público Federal avalia se abrirá uma investigação própria, paralela à da Polícia Civil do Rio, para analisar possíveis abusos cometidos durante a operação.
Dentro do governo, há entendimento de que a presença de legistas da PF pode aumentar a credibilidade do inquérito e evitar novas disputas entre as esferas federal e estadual.
Repercussão internacional
A repercussão da operação ultrapassou as fronteiras brasileiras. Veículos internacionais como a BBC, o El País e a Associated Press destacaram a letalidade da ação e a fala do presidente Lula. Organizações como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch pediram transparência e acompanhamento independente.
Segundo relatório parcial da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, o caso já soma mais de 200 denúncias formais enviadas por familiares de vítimas e moradores das comunidades afetadas.
O que vem a seguir
Enquanto o governo federal articula formas de acompanhamento e a Polícia Civil do Rio segue com as investigações, o episódio se tornou símbolo da disputa entre diferentes visões de segurança pública no país.
De um lado, o governo estadual defende a firmeza das ações contra o crime organizado; de outro, o governo federal e entidades civis pedem limites claros e respeito à legalidade.
O desfecho da apuração poderá influenciar novas diretrizes nacionais de segurança e abrir caminho para mudanças estruturais nas políticas de enfrentamento ao crime nas favelas do Rio e de outras capitais.
A megaoperação que deixou 121 mortos no Rio expôs, mais uma vez, as tensões entre o dever do Estado de garantir segurança e a obrigação de respeitar direitos humanos. Ao cobrar uma investigação paralela, o presidente Lula introduz um elemento político e institucional que pode redefinir os rumos da segurança pública no país.
O resultado das apurações — sejam estaduais ou federais — será determinante para esclarecer se houve abusos e, sobretudo, para recuperar a confiança da população nas instituições que deveriam protegê-la.

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