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Sustentabilidade de fachada: a farsa por trás da COP30

Exposição das tensões na COP30 entre o greenwashing corporativo e a luta dos povos e movimentos que defendem o planeta na prática.


COP 30
Crítica à COP30 revela como discursos sustentáveis encobrem estruturas de poder corporativo em conflito direto com a justiça climática. Foto: Sanchilis Oliveira / Portal Fala News

A COP30 chega ao Brasil sob a promessa de ser um marco histórico na luta contra a crise climática. Mas basta observar com atenção para perceber que, por trás das palavras cuidadosamente escolhidas, há engrenagens que funcionam em outra lógica — a lógica do lucro, da influência e da disputa silenciosa por poder. A conferência levanta bandeiras, claro. Mas entre bandeiras, há dentes. Entre discursos, há mastigações. Entre mesas de negociação, há etiquetas de preço penduradas na vida.

Quem já circulou pelos corredores de uma COP sabe que existe uma distância quase geográfica entre as mesas oficiais e a realidade dos povos que vivem da terra e dela dependem. Ali dentro, o sistema veste terno impecável, usa perfume importado e sorri com a tranquilidade de quem sabe que o mundo ainda gira do jeito que lhe convém. É um carnívoro educado, um predador que aprendeu boas maneiras. Ele devora florestas, rios e territórios; engole comunidades inteiras; e, logo depois, posa diante de um painel de LED falando em “sustentabilidade”.

Quando os destruidores se apresentam como salvadores

Esse contraste brutal não é falha: é estrutura. E é justamente essa estrutura que transforma a COP30 em palco de tensões. A ONU tenta sustentar seu papel como farol internacional, mas o brilho não é mais o mesmo. A instituição, antes símbolo de equílibrio, hoje parece tremer sob o peso de disputas que ela não consegue controlar. Muitos defendem que a ONU perdeu centralidade, não por incapacidade técnica, mas porque o poder econômico global passou a ditar regras com muito mais força do que qualquer organismo multilateral.

E é impossível falar da COP30 sem falar do papel dos patrocinadores. Nunca foi tão evidente que os verdadeiros donos da festa são as corporações que financiam, influenciam e, muitas vezes, moldam as decisões. São gigantes que arrancam minério debaixo de aldeias, que transformam rios em tubulações de esgoto químico, que esvaziam aquíferos para abastecer gigantes agroindustriais. São empresas que chegam ao evento em jatinhos particulares enquanto discutem “compensações de carbono” com a naturalidade de quem trata de um produto qualquer.

A ironia é insuportável: os maiores responsáveis pelo colapso ambiental global são os que se apresentam como salvadores. Criam metas, produzem relatórios coloridos, inauguram projetos-piloto e garantem que tudo isso é “parte do compromisso com o planeta”. Enquanto isso, seguem acumulando lucros que não cabem no planeta que dizem proteger.

A hipocrisia sustentável que ninguém quer enfrentar

Mas a COP30 não acontece apenas dentro dos centros de convenções. O que dá sentido à conferência — e o que a desafia — está do lado de fora, onde o chão é quente, a vida pulsa e os conflitos são verdadeiros. Nas periferias do evento surgem tendas, rodas de conversa, assembleias populares, manifestações e alianças que não aparecem nas transmissões oficiais. Ali se encontram os rostos que não cabem na fotografia corporativa da sustentabilidade.

Povos originários trazem suas pinturas, suas línguas e seus modos de viver como forma de resistência, não como apresentação cultural. Quilombolas denunciam violações históricas e reivindicam território como quem reivindica sobrevivência. Mulheres, juventudes, comunidades LGBTQIAPN+, pastorais sociais, organizações de base, ativistas da causa animal e trabalhadores precarizados formam uma força coletiva que nenhuma corporação consegue cooptar. São vozes que não esperam convite para falar — elas entram, ocupam e reivindicam porque sabem que silêncio, para quem é atingido, nunca foi opção.

O contraste entre esses mundos expõe a essência da crise climática: ela não é apenas ecológica, é política. Não se trata apenas de preservar florestas, mas de enfrentar o modelo econômico que transforma tudo — absolutamente tudo — em recurso. O sistema explora a terra, a água, o ar, as florestas, mas explora também gente. Sugam-se histórias, suores, sonhos. Lucra-se com o esforço de muitos e com o desespero de outros tantos. E, ao mesmo tempo, vende-se a ilusão de que é possível salvar o planeta sem mexer na estrutura que o destrói.

É por isso que o medo das elites econômicas não é do aquecimento global — é do povo organizado. É da presença crescente de movimentos sociais que entendem que não basta vigiar, denunciar e cobrar: é preciso confrontar. É preciso atravessar o verniz e expor as contradições que se escondem sob as palavras bonitas.

Os donos da destruição ditam as regras do futuro?

Quem caminha pelas ruas durante a COP30 percebe que existe uma disputa narrativa clara. De um lado, o marketing corporativo tenta transformar destruição em “inovação sustentável”. De outro, comunidades inteiras gritam que o planeta não está simplesmente adoe­cendo — está sendo assassinado. Essa diferença de diagnóstico não é detalhe: ela define quem deve ser responsabilizado e quem deve ser ouvido.

E, ao contrário do que muitos tentam fazer parecer, a esperança não está nas mesas de negociação. Está nas assembleias populares, está nas vozes que se recusam a ser domesticadas, está na memória das comunidades que protegem a terra muito antes de existir conceito de COP. A esperança está nos corpos que ocupam as ruas, não nos crachás que ocupam as salas.

Há quem critique esses movimentos chamando-os de radicais, mas radical é achar que dá para enfrentar o colapso climático sem mexer nos privilégios de quem mais destrói. Radical é permitir que corporações apresentem planos de descarbonização enquanto seguem poluindo impunemente. Radical é fazer da Amazônia palco de negócio enquanto povos originários resistem para que ela continue existindo.

Quem salva o planeta quando os culpados comandam a COP30?

A COP30 deixa claro — mais uma vez — que não há neutralidade possível na crise climática. Ou se está com quem lucra com a destruição, ou se está com quem tenta impedir que ela avance. Ou se escolhe o conforto frio das salas de reunião, ou se escolhe o calor das ruas, onde a vida é defendida com coragem, memória e dignidade.

E mesmo sabendo que as estruturas são pesadas e os interesses são profundos, há motivos para acreditar. Porque, apesar de toda fumaça, todo verniz e toda propaganda, a força que vem de baixo sempre foi mais duradoura que o poder que vem de cima. É essa força que mantém vivas as florestas, que protege os rios, que reafirma culturas, que resiste a séculos de violência e ainda encontra energia para seguir lutando.

No fim, o que a COP30 nos ensina é que discursos não salvam o planeta — pessoas sim. E não são os donos das corporações que carregam essa tarefa. São os povos, os movimentos, as comunidades e os territórios que sempre estiveram do lado certo da história. São eles que lembram, todos os dias, que o futuro não é mercadoria.

A vida não entra em leilão.
E quem tenta negociar o planeta esquece uma verdade simples:
o mundo não pertence aos que lucram — pertence aos que cuidam.

A pergunta que não quer calar é simples, direta e desconfortável:

Até quando vamos aceitar que os mesmos que destroem o planeta sejam os que decidem como — e se — ele será salvo?

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