Em São Paulo, o Partido dos Trabalhadores (PT) e o conjunto da esquerda estadual reapresentam sua estratégia para o cenário federal: priorizar a governabilidade de um eventual novo mandato do Luiz Inácio Lula da Silva e, consequentemente, focar a atuação na Câmara dos Deputados como centro da disputa para 2026. De acordo com o cientista político Paulo Niccoli Ramirez, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), “o PT direciona a esquerda como um todo para a Câmara dos Deputados como prioridade”.
Contextualização da estratégia
Ramirez afirma que a motivação dessa orientação residiria em reduzir derrotas legislativas da esquerda, já verificadas em eleições municipais de 2024 em São Paulo, e ao mesmo tempo ampliar a capacidade de articulação e governabilidade caso o presidente Lula seja reeleito. Esse movimento se insere em um panorama mais amplo: nas eleições municipais de 2024 em São Paulo, o PSD (de Gilberto Kassab) elegeu 206 prefeitos dos 645 municípios paulistas, seguido pelo PL com 104 cidades, e o Republicanos com 84. O PT, por sua vez, ficou restrito a apenas quatro municípios.
Tal desempenho reforçaria, segundo especialistas, o alerta interno de que o poder local e as cadeiras legislativas têm peso crescente na dinâmica das disputas federais.
O papel das emendas parlamentares
Uma ferramenta fundamental nessa estratégia é o uso acelerado das chamadas emendas parlamentares. Dados indicam que o volume das emendas “pix” saltou de R$ 3,43 bilhões em 2015 para R$ 35,3 bilhões em 2023, com projeção de atingir até R$ 50 bilhões em 2025.
Essa concentração de recursos permite que deputados e senadores ampliem sua presença em municípios, turbinar orçamentos locais e consolidar bases eleitorais — fenômeno apontado como vantagem para grupos conservadores e de direita, especialmente no interior de São Paulo.
Porém, Ramirez pondera uma nuance: “Essa fórmula de que as verbas parlamentares serão decisivas e definitivas não é uma regra absoluta, há uma tendência”. Ele explica que, em municípios menores ou regiões com menor potencial econômico, o impacto da verba tende a ser maior; já em grandes cidades paulistas, o efeito pode se diluir diante de orçamentos municipais e estaduais robustos — geralmente dominados por grupos de direita.
Múltiplos pontos de vista
Do lado do PT, o deputado federal Alencar Santana (PT-SP) afirma que o partido tem condições de ampliar sua bancada em São Paulo graças ao fato de “ser governo” e às entregas efetuadas. Ele cita avanços como a retomada de programas habitacionais, infraestrutura e novas instituições de ensino federal no estado.
Para Santana, essas realizações fortalecem o diálogo com o eleitorado e geram legitimidade para candidaturas que aparecerão em 2026.
Entretanto, outros analistas levantam desafios importantes. A cientista política Camila Rocha (Cebrap) observa que, embora o investimento em redes sociais e “influenciadores” venha ganhando força, “a política tradicional ainda tem um peso muito importante” no Brasil.
Além disso, partidos menores ou não hegemônicos defendem que o discurso de entregas governamentais necessariamente precisa se converter em políticas visíveis ao eleitor, sob pena de perder protagonismo.
A estratégia da “contrarreação”
De acordo com Ramirez, a ofensiva da esquerda é acompanhada de uma ação institucional e simbólica. De um lado, a busca por nomes de peso — inclusive no estado de São Paulo — para disputar cadeiras federais, com vistas ao fortalecimento da bancada. Do outro lado, o governo federal teria atuado extra-institucionalmente, usando expressões públicas de desgaste da oposição no Congresso, como a hashtag “Congresso inimigo do povo”.
Essa “contrarreação” tem o intuito de inverter o quadro de hegemonia legislativa da direita ou de partidos de centro conservador, que se beneficiaram nos últimos ciclos eleitorais da capacidade de mobilização territorial e de base.
A situação em São Paulo
No estado de São Paulo, os dados da bancada federal mais recente apontam que o PL dispõe de 92 deputados, o PT de 68, a União Brasil de 59, o PP de 50, o PSD de 45, o MDB de 44 e o Republicanos de 44. No âmbito paulista, o PT elegeu 11 deputados federais em 2022 — um ponto de partida, mas que, segundo o partido, permite otimismo para 2026.
A estratégia em curso prevê ampliar o leque de representação, atrair novos quadros (inclusive ligados à atividade digital) e elevar o número de candidaturas que dialoguem com o território paulista.
Desafios à vista
Apesar das condições favoráveis, o cenário é complexo. O Estado de São Paulo tem forte presença eleitoral da extrema direita e grupos conservadores, o que exige da esquerda não apenas presença legislativa, mas atuação orgânica e territorialmente consistente — especialmente nas regiões metropolitanas e no interior.
Outro desafio: converter entregas de governo em votação, sobretudo quando as verbas parlamentares e federais funcionam como instrumento de vantagem competitiva para quem já está no poder legislativo.
A prioridade dada pelo PT e à esquerda paulista à governabilidade de um novo mandato do presidente Lula e ao fortalecimento na Câmara dos Deputados reflete uma leitura estratégica do tabuleiro político-legislativo brasileiro. A ênfase em recursos, em bancada e em aparato institucional revela tanto ambição quanto necessidade. Porém, como apontam analistas, essa trajetória depende igualmente de mobilização territorial, coerência de discurso e articulação de longo prazo, especialmente num estado complexo como São Paulo. Em resumo: a governabilidade do próximo governo federal e o futuro da esquerda paulista passam, em grande medida, por sua capacidade de construir uma base sólida na Câmara — não apenas em Brasília, mas nas ruas, nos municípios e nas bases eleitorais.
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