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Risco de veto ao ressarcimento expõe fragilidade da matriz renovável no Nordeste

O debate sobre o ressarcimento dos curtailments expõe riscos para investimentos, empregos e desenvolvimento do Nordeste, segundo especialistas e estudo da FGV.

matriz renovável no Nordeste
Veto ao ressarcimento de cortes de energia ameaça empregos e investimentos no Nordeste. Foto: Divulgação

A possível não sanção do novo artigo 1º-A da Lei 10.848/2004 — incluído na Lei de Conversão da MP 1304 — reacendeu um debate urgente no setor elétrico brasileiro. O dispositivo prevê o ressarcimento dos curtailments, termo usado para definir cortes de geração que ocorrem por fatores externos às usinas eólicas e solares. Sem a compensação, produtores acumulam prejuízos que se estendem há anos.

O tema ganhou destaque após um estudo divulgado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), que aponta que a expansão das energias renováveis pode movimentar R$ 295 bilhões em investimentos e impulsionar o PIB em até R$ 465 bilhões até 2035, caso exista uma solução definitiva para o problema dos cortes.

Com o risco de veto presidencial ao ressarcimento, especialistas alertam para impactos sobre empregos, arrecadação e competitividade internacional — especialmente no Nordeste, região com maior concentração de usinas renováveis do país.

Incerteza sobre o ressarcimento dos curtailments preocupa o setor

Atualmente, quando ocorre redução de geração não provocada por falhas das usinas, os geradores não recebem compensações proporcionais às perdas. O novo dispositivo buscaria corrigir uma distorção que desestimula investimentos e reduz a previsibilidade dos projetos.

Para o presidente do Centro de Estratégias em Recursos Naturais e Energia (CERNE), Darlan Santos, a sanção é essencial para a segurança jurídica. Segundo ele, o ressarcimento dos curtailments é uma medida necessária para adequar o setor à realidade atual da matriz elétrica.

Santos destaca que a energia renovável colocou o Brasil “no centro das atenções mundiais”, associando avanço tecnológico a desenvolvimento econômico. Para o executivo, garantir previsibilidade aos investidores é crucial para manter o país atrativo no cenário global.

Impactos no emprego e no desenvolvimento regional

A possibilidade de veto já produz efeitos práticos. Diversas empresas relatam retração de investimentos desde o início das discussões. O setor afirma que centenas de milhões de reais deixaram de ser aplicados, afetando fornecedores, fabricantes de equipamentos, prestadores de serviços e, sobretudo, trabalhadores das regiões que dependem da atividade renovável.

Segundo o estudo da FGV, o setor poderia gerar entre 1,2 milhão e 1,9 milhão de empregos até 2035. Esse potencial, porém, depende da redução das incertezas regulatórias — entre elas, o ressarcimento dos curtailments.

A CEO da Elera Renováveis, Karin Luchesi, afirma que o Brasil não pode abrir mão de um setor que já demonstrou ser capaz de transformar economias locais. Para ela, a solução para os cortes de energia é “condição básica para a continuidade dos investimentos”.

Luchesi reforça que o Nordeste se tornou o coração da geração renovável do país. Sem definição sobre ressarcimento, projetos em operação e novos empreendimentos podem ficar inviáveis.

Segurança jurídica e competitividade internacional

A preocupação também é compartilhada por empresas de grande porte. O diretor de Relações Institucionais da Casa dos Ventos, Fernando Elias, argumenta que a previsibilidade regulatória é indispensável para garantir a competitividade do Brasil em mercados emergentes de energia limpa.

Elias afirma que existem caminhos técnicos e regulatórios já avaliados para solucionar o problema. Entre eles, aprimorar o texto da MP e criar mecanismos que estimulem o armazenamento energético e reforcem a infraestrutura de transmissão.

Para o executivo, retroceder nesse debate durante a preparação para a COP30, que ocorrerá em Belém, enviaria um sinal negativo ao mercado internacional.

Cadeia produtiva em sinal de alerta

Empresas do setor relatam impacto direto na saúde financeira de suas operações. O CEO da Vestas para a América Latina, Eduardo Ricotta, compara o momento a um “adoecimento” da cadeia produtiva. Ele ressalta que o curtailment corrói silenciosamente investimentos construídos ao longo de mais de duas décadas.

Ricotta enfatiza que o ressarcimento dos curtailments não representa benefício adicional aos geradores, mas sim uma medida que restabelece previsibilidade e evita a paralisação de empreendimentos sustentáveis.

Sem solução, as empresas podem interromper linhas de produção, demitir trabalhadores e adiar projetos. Essa situação ameaça desde fabricantes nacionais até pequenos fornecedores regionais.

Nordeste é a região mais vulnerável aos efeitos do veto

Com forte presença de parques eólicos e solares, o Nordeste concentra a maior parte dos impactos. Municípios que dependem da atividade renovável para fortalecer a arrecadação local podem enfrentar quedas significativas de receita.

Além disso, programas sociais e ambientais desenvolvidos por empresas geradoras podem ser descontinuados por falta de recursos, afetando comunidades que se beneficiam dessas iniciativas.

O presidente do CERNE reforça que o problema não se restringe ao cenário atual, mas atinge projetos estratégicos como:

  • Hidrogênio verde

  • Energia eólica offshore

  • Cadeias eletrointensivas

  • Powershoring e industrialização verde

Segundo ele, perder essas frentes de investimento representa um “atraso social e econômico” para uma região historicamente subfinanciada.

Riscos de um efeito dominó no setor elétrico

Além do impacto imediato, há preocupação com um possível efeito em cascata. Sem ressarcimento dos curtailments, investidores podem desistir de iniciar novos projetos. Usinas em operação podem enfrentar dificuldades para se manter competitivas.

O risco, segundo especialistas, é que o Brasil perca espaço na corrida global por fontes renováveis e atrase metas climáticas anunciadas junto à comunidade internacional.

O momento exige definição clara para evitar o enfraquecimento da credibilidade do país em temas ambientais, especialmente em ano de COP30.

Setor espera decisão para não comprometer o futuro renovável do país

O debate sobre o ressarcimento dos curtailments vai além da questão financeira. Ele envolve segurança jurídica, competitividade, geração de emprego, desenvolvimento regional e compromissos socioambientais assumidos pelo Brasil.

Especialistas e entidades defendem que a sanção ao dispositivo da MP 1304 é essencial para evitar a desaceleração do setor, manter a atração de investimentos e garantir que o Nordeste continue sendo protagonista da transição energética nacional.

Enquanto o governo avalia o veto, empresas e comunidades acompanham com preocupação uma decisão que pode definir os rumos da energia renovável no país nas próximas décadas.

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