Sob o disfarce do TFFF, o mercado pinta de verde o mesmo sistema que lucra com o desmatamento e o caos climático.
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| Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, fala durante lançamento da TFFF (Fundo de Florestas Tropicais para Sempre), durante a COP30. Foto: Bruno Peres/Agência Brasil |
O Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), apresentado pelo governo brasileiro como um marco na COP30, soa bonito no discurso e promissor nas cifras — mas esconde uma contradição estrutural: ele entrega o cuidado da floresta às mesmas mãos que, historicamente, lucram com a sua destruição. É como entregar o galinheiro à raposa e esperar que ela o proteja.
Anunciado com pompa, o fundo já nasce com mais de US$ 5,5 bilhões prometidos por países como Noruega, França, Portugal, Indonésia e pelo próprio Brasil. A ideia central é que as florestas tropicais passem a gerar retorno financeiro, remunerando países e investidores pela sua preservação. Em tese, seria uma forma de valorizar a natureza “em pé”. Na prática, é mais um passo na financeirização da vida, transformando o verde em ativo de mercado.
A lógica é simples, porém perversa: quem destruiu o planeta agora quer lucrar com o ato de não destruí-lo. Bancos e grandes fundos de investimento assumem o papel de “salvadores ambientais”, operando o que chamo de capitalismo climático. O TFFF não questiona o modelo econômico que alimenta o desmatamento — apenas tenta pintá-lo de verde. O problema não é falta de dinheiro, mas o sistema que continua colocando o lucro acima da vida.
Ao transferir a preservação para o campo financeiro, o fundo abre espaço para que grandes proprietários rurais e corporações com “boas reservas” passem a lucrar por simplesmente não desmatar. Enquanto isso, comunidades indígenas e tradicionais, que há séculos protegem a floresta com sabedoria e sem dividendos, ficam relegadas a uma fatia simbólica dos recursos, sem garantias de repasse direto ou participação real na gestão.
A retórica da “valorização ambiental” do TFFF soa mais como um discurso de marketing do que uma política de transformação. Cria-se a ilusão de que o mercado global finalmente está “fazendo algo” pelo planeta, quando, na verdade, o que se vê é a apropriação da agenda ecológica por quem mais se beneficia da crise climática. O fundo, no fundo, funciona como uma cortina de fumaça para acalmar consciências e abrir novas oportunidades de especulação verde.
O mais grave é o contexto em que tudo isso ocorre: enquanto se fala em “preservação remunerada” e “descarbonização”, o Brasil insiste em explorar petróleo na foz do rio Amazonas — um dos ecossistemas mais sensíveis do planeta. Há uma incoerência gritante entre o discurso ambiental e a prática energética. Como falar em compromisso climático enquanto se aposta em combustíveis fósseis? O país parece querer ser, ao mesmo tempo, o herói das florestas e o vilão das águas.
O TFFF é, portanto, uma vitrine internacional de boas intenções mal colocadas. Ele não enfrenta as raízes do desmatamento — a grilagem, o avanço do agronegócio predatório, a mineração ilegal e a ausência de uma política agrária justa. Ao contrário, cria um novo filão de negócios sob o selo da sustentabilidade, onde a floresta vira commodity e o carbono, moeda.
O que se espera de um país como o Brasil, detentor da maior floresta tropical do mundo, não é que transforme a Amazônia em ativo financeiro, mas que lidere a transição para uma economia realmente descarbonizada, que valorize os povos da floresta, o conhecimento tradicional e os modos de vida sustentáveis.
A Amazônia não precisa de fundos verdes — precisa de justiça climática. E justiça climática não se faz nos escritórios de bancos, mas nas aldeias, nas comunidades ribeirinhas, nos territórios onde o desmatamento é combatido com coragem, não com capital especulativo.
Enquanto o capital continuar sendo o guardião da natureza, a natureza continuará em perigo.
A pergunta que não quer calar: é possível descarbonizar o planeta com o mesmo sistema que o aqueceu?

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