A concessão da Avenida Guararapes propõe PPP de R$ 300 milhões no Recife, mas críticos apontam privatização disfarçada de revitalização urbana.
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| Projeto do prefeito João Campos transfere gestão de áreas públicas ao setor privado por 30 anos. Foto: Divulgação |
A proposta da Prefeitura do Recife de conceder a Avenida Guararapes e áreas do entorno à iniciativa privada vem sendo apresentada oficialmente como um projeto de revitalização urbana. No entanto, críticos do plano avaliam que a chamada concessão da Avenida Guararapes representa, na prática, uma privatização mascarada de espaços públicos estratégicos do Centro da cidade.
O projeto é liderado pelo prefeito do Recife e presidente nacional do PSB, João Campos, e integra a criação do chamado Distrito Guararapes, que prevê investimentos de aproximadamente R$ 300 milhões ao longo de 30 anos, por meio de uma Parceria Público-Privada (PPP).
Áreas centrais sob controle privado por três décadas
O plano abrange trechos dos bairros de Santo Antônio, São José, Cabanga, Ilha Joana Bezerra, além de partes da Boa Vista e de Santo Amaro — regiões historicamente populares e de intenso fluxo comercial. Pelo modelo apresentado, a iniciativa privada ficará responsável pela gestão de quiosques, áreas comerciais, manutenção urbana e exploração econômica de estruturas públicas.
Para urbanistas e movimentos sociais, ao transferir a administração desses espaços por três décadas, o poder público abre mão do controle direto sobre áreas estratégicas da cidade, o que caracteriza, segundo eles, uma forma indireta de privatização.
Alto custo público para viabilizar a concessão
Apesar do discurso de investimento privado, os números revelam um elevado aporte de recursos públicos. A Prefeitura prevê R$ 76 milhões em aportes diretos, sendo:
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R$ 25,3 milhões em imóveis públicos transferidos,
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R$ 50,9 milhões em recursos financeiros diretos.
Além disso, o município se compromete a pagar R$ 234 milhões em contraprestação pública ao longo de 30 anos, o que corresponde a R$ 8,9 milhões por ano aos cofres da concessionária.
Críticos questionam: se o poder público investe, transfere patrimônio e ainda paga anualmente, onde está, de fato, o risco do setor privado?
Consulta pública questionada pela sociedade
A Prefeitura realizou uma consulta pública entre 6 de outubro e 4 de novembro, além de uma audiência pública online em 29 de outubro. Oficialmente, o objetivo era ouvir sugestões da população. Contudo, representantes de entidades civis apontam que a discussão ocorreu de forma limitada, com pouca divulgação e baixo alcance popular.
Além disso, parte dos questionamentos apresentados durante a audiência não teria sido incorporada ao projeto final, o que ampliou a sensação de que o processo seria apenas uma etapa formal para legitimar uma decisão já tomada.
Discurso da revitalização e o temor da exclusão
A gestão municipal afirma que a concessão da Avenida Guararapes pretende revitalizar o Centro, atrair moradores e estimular a economia. No entanto, a experiência de projetos semelhantes em outras cidades brasileiras aponta efeitos colaterais conhecidos, como:
Gentrificação
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Aumento do custo de vida
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Expulsão de populações de baixa renda
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Prioridade para grandes empreendimentos privados
Esses efeitos levantam o temor de que a transformação do Centro do Recife atenda prioritariamente aos interesses do mercado imobiliário, e não às necessidades da população que já ocupa a região.
Espaço público sob lógica de mercado
Outro ponto criticado é a mudança de função simbólica do espaço urbano. Praças, calçadas, áreas de circulação e equipamentos públicos, sob gestão privada, passam a operar sob lógica de rentabilidade, e não mais sob o princípio do uso social universal.
Entidades alertam que esse modelo pode resultar em restrições indiretas de acesso, seleção de públicos e exploração comercial intensa de áreas que deveriam permanecer sob controle direto do poder público.
PSB defende, críticos associam à agenda neoliberal
O projeto conta com o respaldo do Partido Socialista Brasileiro, que administra a capital pernambucana. No entanto, setores da oposição afirmam que a proposta se aproxima mais de uma agenda liberal de privatização urbana do que de uma política social de requalificação inclusiva.
Para esses grupos, a concessão da Avenida Guararapes reforça uma tendência nacional de transferência progressiva da gestão da cidade ao capital privado.
Fiscalização e transparência ainda são incertezas
A Prefeitura afirma que haverá fiscalização permanente do contrato. No entanto, especialistas apontam que a experiência brasileira com PPPs revela dificuldades históricas de monitoramento, aditivos financeiros frequentes e judicializações.
Outro ponto de atenção é a transferência de imóveis públicos, considerada sensível por envolver patrimônio coletivo em um modelo de exploração privada por longo prazo.
Próximos passos incluem licitação
O projeto ainda passará por ajustes técnicos, jurídicos e pela etapa de licitação. Somente após esse processo será definida a empresa ou consórcio que irá assumir a gestão do Distrito Guararapes.
Até lá, movimentos sociais prometem intensificar a mobilização contra o modelo proposto, cobrando mais debates presenciais, maior transparência e participação popular efetiva.
A concessão da Avenida Guararapes, apresentada como requalificação urbana, vem sendo duramente criticada por representar uma privatização disfarçada de espaços públicos centrais do Recife. Mesmo com altos aportes financeiros e patrimoniais do município, a gestão será entregue ao setor privado por 30 anos. O projeto divide opiniões, levanta alertas sobre gentrificação, exclusão social e perda do controle público sobre áreas estratégicas da cidade.

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