Ads

Hugo Motta e Davi Alcolumbre tentam salvar Bolsonaro com PL da impunidade

Articulação no Congresso reacende debate sobre impunidade no Brasil.

Bolsonaro, Motta e Alcolumbre
Projeto aprovado na Câmara pode reduzir penas de condenados pelo 8 de Janeiro. Foto: Arquivo/Fala News

A política brasileira, mais uma vez, assiste a um movimento que desafia não apenas o senso de justiça, mas também a memória recente da democracia. A articulação liderada por Hugo Motta e Davi Alcolumbre para acelerar a votação do chamado PL da Dosimetria revela mais do que uma simples divergência institucional: aponta para uma tentativa concreta de reduzir as consequências legais dos crimes cometidos contra o Estado Democrático de Direito, abrindo caminho direto para beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados.

Não se trata aqui de interpretação apressada, mas de uma análise objetiva do contexto político. A proposta foi aprovada na Câmara dos Deputados no mesmo dia em que seu presidente anunciou que o projeto seria pautado. Horas depois, o presidente do Senado confirmou que colocaria a matéria em votação assim que chegasse à Casa. Essa sincronia não ocorre por acaso. Trata-se de uma mensagem política clara.

A pressa que denuncia a intenção

Se o PL da Dosimetria fosse apenas um ajuste técnico do Código Penal, como tentam argumentar seus defensores, não haveria necessidade de atropelar o rito legislativo, tampouco de alinhar discursos públicos em tempo recorde. A pressa é o indício mais revelador da intenção.

O projeto altera critérios que hoje pesam fortemente contra os réus dos atos golpistas de 8 de Janeiro. Com as novas regras, penas poderiam ser substancialmente reduzidas. Em outras palavras, crimes contra a democracia passariam a ser tratados com mais benevolência. A pergunta que se impõe é simples: por que tanto empenho para suavizar a punição de quem tentou destruir o regime democrático?

Bolsonaro no centro da engrenagem

Embora o texto do projeto não cite nomes, Bolsonaro é o principal beneficiário político desse movimento. A eventual redução das penas dos envolvidos nos ataques às sedes dos Três Poderes enfraquece diretamente a narrativa de responsabilização do núcleo político que incentivou e sustentou aqueles atos.

Ao longo dos últimos anos, Bolsonaro construiu sua trajetória política atacando instituições, desacreditando eleições, incentivando a ruptura. Agora, ironicamente, depende justamente das engrenagens institucionais do Congresso para tentar escapar das consequências jurídicas de seus próprios atos.

Congresso versus Planalto: um recado direto a Lula

A articulação de Motta e Alcolumbre também precisa ser lida como um recado direto ao presidente Lula. Ao anunciar a tramitação acelerada do projeto, mesmo diante da sinalização clara de veto por parte do Executivo, os dois impõem uma queda de braço institucional.

O recado é direto: o Congresso não apenas legisla, mas também confronta. Se o veto vier — como tudo indica —, haverá uma nova disputa: manter ou derrubar a decisão presidencial. Nesse cenário, quem perde não é apenas o governo. Quem perde é a estabilidade institucional.

O falso argumento da técnica jurídica

Defensores do PL insistem que se trata de um aprimoramento técnico da dosimetria penal. Mas esse argumento não resiste ao teste da realidade política. Leis não nascem no vácuo. Elas emergem de contextos históricos, pressões sociais e interesses de poder.

A técnica, quando usada fora da ética, transforma-se em instrumento de injustiça. Ajustar penas em um país ainda marcado pela impunidade estrutural é um gesto político, não neutro. E quando esse ajuste beneficia justamente aqueles que atentaram contra a democracia, o problema deixa de ser jurídico e passa a ser moral e institucional.

O risco simbólico para a democracia

O Brasil ainda sangra as feridas abertas no 8 de Janeiro. As imagens de prédios públicos destruídos, de símbolos da República violados, de servidores acuados e da população estarrecida não podem ser esquecidas em nome de acordos de bastidores.

Reduzir as penas desses crimes é reduzir também a gravidade simbólica do que aconteceu. É dizer, nas entrelinhas, que tentar romper a ordem democrática não é tão grave assim. Essa é talvez a mensagem mais perigosa de todo esse movimento.

A normalização da impunidade

O país já convive, historicamente, com a sensação de que os poderosos raramente pagam por seus crimes. Quando o Congresso atua de forma tão evidente para abrir atalhos legais que beneficiem o ex-presidente e seus aliados, essa percepção se aprofunda.

A impunidade não é apenas a ausência de punição. Ela é a construção política de mecanismos que tornam a punição improvável. O PL da Dosimetria, nesse cenário, se encaixa como uma peça perfeitamente ajustada.

O silêncio que também fala

Outro elemento revelador é o silêncio estratégico de setores que, em outros momentos, se dizem defensores intransigentes da Constituição. Onde estão agora as vozes que bradavam contra ameaças institucionais? A omissão também é uma forma de posicionamento.

Enquanto isso, a sociedade assiste, mais uma vez, a decisões que parecem acontecer acima de sua vontade, longe dos interesses reais da população, como saúde, educação, combate à fome e geração de empregos.

O papel histórico do Senado

Ao Senado cabe, constitucionalmente, ser a Casa da ponderação. É ali que projetos polêmicos deveriam encontrar maior reflexão, mais debate, mais escuta da sociedade. No entanto, a sinalização de Alcolumbre aponta na direção oposta: rapidez, alinhamento político e confronto com o Executivo.

Se isso se confirmar, o Senado estará abrindo mão de sua função histórica de freio institucional, assumindo papel protagonista em uma das manobras legislativas mais controversas dos últimos anos.

A escolha que marcará a história

Hugo Motta e Davi Alcolumbre terão seus nomes associados a este episódio, independentemente do desfecho. Se o projeto avançar e sobreviver ao veto presidencial, o recado estará dado: a lógica corporativa da política falou mais alto do que a defesa da democracia.

Não se trata de perseguição política, mas de responsabilização institucional. Democracias sólidas não se constroem com atalhos jurídicos para proteger líderes que atentaram contra o próprio sistema.

Não é sobre Bolsonaro, é sobre o Brasil

Este debate ultrapassa a figura de Bolsonaro. Ele é, sim, o principal beneficiário político do movimento, mas o verdadeiro impacto é estrutural. O que está em jogo é saber se o Brasil escolhe reforçar a cultura da responsabilização ou se cede, mais uma vez, à tradição da impunidade seletiva.

Hugo Motta e Davi Alcolumbre podem até argumentar que cumprem seu papel institucional. Mas a História não registra apenas atos formais — ela registra consequências. E, neste momento, as consequências desse movimento são claras: desgaste institucional, erosão da confiança pública e fortalecimento da sensação de que, no Brasil, a lei ainda não é igual para todos.


Postar um comentário

0 Comentários