Voto unĂ¢nime da bancada do PSB no Senado apoia projeto que reduz penas de condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro.
Quando a histĂ³ria cobra posicionamento, nĂ£o hĂ¡ espaço para ambiguidades. Ainda assim, foi exatamente isso que a bancada do PSB no Senado escolheu oferecer ao paĂs ao votar integralmente a favor do PL da Dosimetria, projeto que reduz penas de condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro e que, na prĂ¡tica, tambĂ©m beneficia Jair Bolsonaro, condenado como lĂder de organizaĂ§Ă£o criminosa.
Para um partido que insiste em se autodefinir como de esquerda e democrĂ¡tico, o gesto nĂ£o Ă© apenas contraditĂ³rio. É revelador. Revela que, para o PSB, a democracia parece ter sabor de conveniĂªncia — e, neste caso, de covardia polĂtica.
O discurso progressista que nĂ£o resiste Ă votaĂ§Ă£o
O PSB gosta de ocupar o centro do discurso progressista quando isso rende capital eleitoral. Defende a democracia nos palanques, repete palavras de ordem contra o autoritarismo e se apresenta como alternativa civilizada Ă extrema direita. No entanto, quando o voto exige coragem, o partido recua.
A unanimidade da bancada — Jorge Kajuru (GO), Chico Rodrigues (RR), FlĂ¡vio Arns (PR) e Cid Gomes (CE) — nĂ£o deixa margem para dĂºvidas: nĂ£o foi um erro individual, foi uma escolha polĂtica coletiva.
E escolhas tĂªm consequĂªncias.
8 de janeiro nĂ£o foi excesso, foi projeto
Tratar o 8 de janeiro como um episĂ³dio passĂvel de indulgĂªncia penal Ă© reescrever a histĂ³ria recente. Aquilo nĂ£o foi descontrole de multidĂ£o, nem protesto radicalizado. Foi uma tentativa organizada de ruptura institucional, financiada, estimulada e politicamente orientada pelo bolsonarismo.
Ao votar por um projeto que suaviza punições, o PSB ajuda a construir a narrativa de que o ataque Ă democracia foi apenas um “exagero”. Essa relativizaĂ§Ă£o Ă© perigosa, porque normaliza o golpismo e enfraquece o pacto democrĂ¡tico.
Bolsonaro no centro — ainda que finjam o contrĂ¡rio
Os defensores do voto recorrem Ă velha estratĂ©gia da dissimulaĂ§Ă£o: dizem que o projeto nĂ£o Ă© sobre Bolsonaro. Mas a polĂtica nĂ£o se faz apenas com intenções declaradas, e sim com efeitos concretos.
O texto aprovado estabelece critĂ©rios que atingem diretamente condenações por liderança de organizaĂ§Ă£o criminosa, exatamente o enquadramento aplicado a Jair Bolsonaro pelo STF. Fingir que isso Ă© irrelevante Ă© subestimar a inteligĂªncia do eleitorado.
Ou, pior, apostar na sua desmobilizaĂ§Ă£o.
O flerte permanente com a direita
O que mais incomoda nĂ£o Ă© o voto isolado, mas o padrĂ£o. O PSB tem histĂ³rico de flexibilizar princĂpios quando o cenĂ¡rio polĂtico exige acomodaĂ§Ă£o. Em vez de enfrentar a extrema direita com clareza, prefere o caminho confortĂ¡vel do “nem tanto ao cĂ©u, nem tanto ao inferno”.
Esse comportamento pode parecer estratĂ©gico no curto prazo, mas produz um efeito corrosivo: esvazia o sentido da esquerda e enfraquece o campo democrĂ¡tico que diz representar.
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| Presidente nacional do PSB JoĂ£o Campos. Foto: ClĂ¡udio Reis/PSB |
A omissĂ£o do presidente nacional do PSB JoĂ£o Campos
Chama atenĂ§Ă£o, ainda, o silĂªncio da direĂ§Ă£o nacional do PSB diante da votaĂ§Ă£o do PL da Dosimetria. NĂ£o houve qualquer mobilizaĂ§Ă£o pĂºblica do presidente nacional da legenda, JoĂ£o Campos, nem do vice-presidente Geraldo Alckmin, para orientar a bancada do Senado ou fechar questĂ£o contra um projeto que beneficia condenados por atos golpistas.
A ausĂªncia de posicionamento e de articulaĂ§Ă£o polĂtica, em um tema sensĂvel para a democracia brasileira, nĂ£o parece casual. Trata-se de uma omissĂ£o calculada, que preserva alianças, evita desgaste com setores conservadores e, ao mesmo tempo, cobra um alto custo simbĂ³lico para um partido que se apresenta como defensor intransigente do Estado DemocrĂ¡tico de Direito.
Democracia exige coragem, nĂ£o cĂ¡lculo
A democracia nĂ£o se sustenta com discursos mornos nem com votos envergonhados. Ela exige enfrentamento, memĂ³ria histĂ³rica e compromisso com a responsabilizaĂ§Ă£o de quem tentou destruĂ-la.
Quando um partido que se diz socialista opta por aliviar a puniĂ§Ă£o de golpistas, ele nĂ£o estĂ¡ sendo moderado. EstĂ¡ sendo omisso. E omissĂ£o, em contextos autoritĂ¡rios, Ă© uma forma sofisticada de cumplicidade.
ConclusĂ£o: a fatura moral
Ao votar pela reduĂ§Ă£o das penas de quem atentou contra o Estado DemocrĂ¡tico de Direito, o PSB envia um recado claro: entre o risco do confronto polĂtico e o conforto da conciliaĂ§Ă£o, escolheu o segundo.
Mas a histĂ³ria nĂ£o absolve a covardia. E a democracia, quando tratada como moeda de troca, cobra seu preço — cedo ou tarde.
Para o PSB, neste episĂ³dio, a democracia nĂ£o teve gosto de luta. Teve sabor de covardia.
Pergunta que nĂ£o quer calar: Se partidos que se dizem democrĂ¡ticos como o PSB, aliviam a puniĂ§Ă£o de golpistas, quem afinal estĂ¡ disposto a defender a democracia quando isso cobra coragem?


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