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Bets ampliam risco no Brasil e governo lança ações de prevenção

O Brasil amplia ações para prevenir vícios ligados às apostas eletrônicas, com novas ferramentas, autoexclusão e atenção em saúde mental pelo SUS.

Bets
Teleatendimento e orientações no SUS vão ampliar acesso ao cuidado em saúde mental. Foto: Sanchilis Oliveira / Portal Fala News

As apostas eletrônicas, especialmente as plataformas conhecidas como bets, têm se tornado parte da rotina de milhões de brasileiros. Ao mesmo tempo em que o setor cresce, também aumentam os alertas de especialistas, gestores públicos e profissionais de saúde sobre seus impactos econômicos, sociais e emocionais. Dados recentes estimam que o país perde R$ 38,8 bilhões ao ano com efeitos diretos e indiretos desse mercado — um número que acendeu um sinal de alerta no governo federal.

Diante desse cenário, os ministérios da Saúde e da Fazenda anunciaram, nesta quarta-feira (3), uma série de medidas voltadas à prevenção, ao cuidado e ao monitoramento da população que enfrenta riscos relacionados ao uso compulsivo de plataformas de apostas eletrônicas. As iniciativas foram oficializadas por meio de um acordo de cooperação técnica que prevê troca de dados, criação de ferramentas de proteção e oferta de novos serviços pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Novas medidas para enfrentar riscos das apostas eletrônicas

O acordo firmado entre Alexandre Padilha (Saúde) e Fernando Haddad (Fazenda) estabelece diretrizes para um trabalho integrado entre as pastas. Uma das medidas mais aguardadas é a criação de uma plataforma de autoexclusão, que entrará em funcionamento no dia 10 de dezembro.

A nova ferramenta permitirá que qualquer usuário que deseje interromper o ciclo de apostas solicite o bloqueio automático do próprio CPF. Com isso, não será possível abrir novos cadastros, realizar apostas ou receber publicidade das bets. Segundo a Fazenda, a medida é inspirada em modelos adotados em países que enfrentam desafios semelhantes com jogos de azar em ambiente digital.

Além disso, a autoexclusão busca reduzir a exposição de pessoas que já apresentam sinais de dependência comportamental — um problema crescente, de acordo com dados divulgados pelo Ministério da Saúde.

Observatório Brasil Saúde e Apostas Eletrônicas

Outra iniciativa importante contida no acordo é a criação do Observatório Brasil Saúde e Apostas Eletrônicas, que funcionará como um canal permanente de intercâmbio de informações entre os ministérios. O objetivo é identificar padrões de comportamento, regiões mais afetadas e perfis de usuários com maior risco de desenvolver desordens relacionadas a jogos.

Segundo afirmou o ministro Alexandre Padilha, o cruzamento de dados permitirá acionar equipes de saúde quando forem identificados casos suspeitos de dependência.

“A partir dos dados que temos, vamos identificar padrões como os de adição ou compulsão das pessoas. Os registros nos ajudarão a ver onde a pessoa está, para que nossas equipes possam entrar em contato e servirem de ombro amigo ou braço de apoio”, disse o ministro.

O observatório, segundo técnicos da Saúde, também auxiliará na avaliação contínua das políticas públicas já em execução, além de orientar campanhas educativas e ações de prevenção.

Ferramentas de cuidado e acesso pelo SUS

Para além da autoexclusão, o governo vai ampliar as possibilidades de acesso ao cuidado em saúde mental. Entre as medidas anunciadas, está a inclusão de orientações e pontos de atendimento do SUS dentro do aplicativo Meu SUS Digital e na Ouvidoria do SUS. As informações vão orientar desde o primeiro acolhimento até encaminhamentos especializados.

Outra iniciativa é a Linha de Cuidado para Pessoas com Problemas Relacionados a Jogos de Apostas, que define protocolos clínicos, fluxos de atendimento e ações integradas entre atenção básica, CAPS e serviços hospitalares. Essa estruturação busca reduzir barreiras para que usuários em sofrimento consigam buscar ajuda, tanto presencial quanto online.

De acordo com o Ministério da Saúde, a partir de fevereiro de 2026 o SUS começará a ofertar teleatendimentos em saúde mental com foco em usuários de apostas eletrônicas. A ação será realizada em parceria com o Hospital Sírio-Libanês. Serão disponibilizados inicialmente 450 atendimentos mensais, com possibilidade de ampliação conforme a demanda.

Segundo a pasta, os atendimentos online funcionarão como porta de entrada para outros serviços. Em situações mais graves, os pacientes serão encaminhados para acompanhamento presencial em unidades da rede pública.

Regulamentação e lacunas anteriores

Ao comentar as ações, o ministro Fernando Haddad destacou que as apostas eletrônicas foram autorizadas em 2018, mas permaneceram sem regulamentação adequada durante os anos seguintes. Para ele, isso criou um vácuo jurídico que facilitou práticas abusivas e aumentou a exposição de grupos vulneráveis.

“Era preciso definir tributação, regras de propaganda e marketing, parâmetros de jogo responsável e o papel de cada ministério no combate a práticas abusivas, lavagem de dinheiro e no apoio às pessoas que necessitassem de atenção em saúde pública. Nada disso foi feito entre 2019 e 2022”, afirmou.

Haddad ressaltou que, com o novo regramento, CPFs de crianças, beneficiários do Bolsa Família e usuários do BPC não podem ser utilizados para cadastro em sites de apostas — uma medida que busca evitar fraudes e impedir que grupos vulneráveis sejam alvos de publicidade ou indução ao endividamento.

Crescimento dos transtornos relacionados às apostas

O Ministério da Saúde também divulgou dados inéditos sobre atendimentos relacionados a transtornos decorrentes das apostas eletrônicas. De acordo com Marcelo Kimati, diretor do Departamento de Saúde Mental, o SUS registrou:

  • 2.262 atendimentos em 2023

  • 3.490 atendimentos em 2024

  • 1.951 atendimentos apenas entre janeiro e junho de 2025

O crescimento refletido nos números preocupa especialistas, que apontam fatores como facilidade de acesso, forte marketing digital e a sensação de “dinheiro rápido” como gatilhos comuns para o uso excessivo das plataformas.

Kimati acrescentou que já é possível identificar um perfil predominante entre as pessoas afetadas: homens entre 18 e 35 anos, muitos deles negros, vivendo situações de estresse, ruptura de rotina ou vulnerabilidade socioeconômica. O diretor destaca que isolamento, desemprego e fragilidade na rede de apoio também são fatores recorrentes nos casos atendidos.

A ampliação das apostas eletrônicas no Brasil trouxe novas fontes de renda para plataformas e empresas do setor, mas também gerou desafios significativos para o país. Com impactos estimados em bilhões de reais anuais e um número crescente de pessoas desenvolvendo dependência ou compulsão, o tema tornou-se uma preocupação de saúde pública.

As medidas anunciadas pelos ministérios da Saúde e da Fazenda representam um avanço no enfrentamento do problema, sobretudo ao priorizar prevenção, transparência e suporte direto aos usuários. Com a plataforma de autoexclusão, o Observatório Brasil Saúde e Apostas Eletrônicas e novos serviços no SUS, o governo busca reduzir danos e oferecer caminhos de cuidado.

Os próximos meses serão determinantes para avaliar a efetividade das ações, bem como a adesão da população às ferramentas de proteção. O desafio agora é transformar diagnóstico e dados em políticas que alcancem quem mais precisa, garantindo que as apostas eletrônicas não aprofundem desigualdades nem provoquem novas crises pessoais, familiares ou sociais.

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