Câmara aprova o PL da Dosimetria que reduz penas dos condenados do 8 de Janeiro. Projeto segue para o Senado e gera reações no governo.
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| O chamado PL da Dosimetria redefine critérios usados pelo STF nas condenações. Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados |
O plenário da Câmara dos Deputados aprovou, na madrugada desta quarta-feira (10), o chamado PL da Dosimetria, projeto de lei que altera os critérios de cálculo das penas aplicadas aos envolvidos nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023. A proposta foi aprovada por 291 votos favoráveis e 148 contrários e agora segue para análise do Senado Federal.
O texto propõe mudanças na forma como a Justiça define as penas e também estabelece percentuais mínimos obrigatórios para o cumprimento da pena antes da progressão de regime, com o objetivo declarado de garantir maior previsibilidade jurídica. O projeto também prevê que a remição de pena poderá ser compatível com a prisão domiciliar, ponto que gerou debates entre parlamentares.
O PL da Dosimetria vem sendo discutido nos bastidores desde a aprovação, em setembro, do regime de urgência para propostas relacionadas aos condenados pelos atos de 8 de janeiro.
O que muda com o PL da Dosimetria
O projeto fixa limites objetivos para o tempo mínimo de cumprimento das penas nos crimes relacionados à organização criminosa e atos contra o Estado Democrático de Direito. Segundo o texto aprovado, condenados por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo deverão cumprir, no mínimo, 50% da pena antes da progressão de regime.
Essa regra incidiria, por exemplo, sobre réus enquadrados na condição de liderança de organização criminosa, agravante já reconhecida em sentenças relacionadas aos ataques às sedes dos Três Poderes.
A relatoria da proposta argumenta que o objetivo principal é evitar interpretações divergentes na aplicação das penas, o que, segundo defensores do projeto, poderia gerar insegurança jurídica.
Impacto político e possível benefício a Bolsonaro
A proposta também gerou repercussão por seu possível impacto sobre a situação jurídica do ex-presidente Jair Bolsonaro, que foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal a 27 anos e três meses de prisão por crimes relacionados à tentativa de golpe.
Na dosimetria da pena, o STF considerou o agravante de liderança de organização criminosa, que, com as novas regras propostas pelo projeto, poderia resultar em revisões no tempo de cumprimento da pena, dentro dos critérios estabelecidos pela nova legislação.
Parlamentares aliados ao ex-presidente afirmam que o PL da Dosimetria seria apenas “um primeiro passo” rumo à anistia total. Já críticos da proposta avaliam que a mudança enfraquece o rigor das punições impostas aos envolvidos.
Inclusão na pauta surpreende o governo
A votação do PL da Dosimetria ocorreu após decisão do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), de incluir a matéria na pauta após reunião do colégio de líderes.
Segundo Motta, o tema dominou o debate parlamentar ao longo do ano. “Nada mais natural do que chegarmos ao final do ano com a posição final da Casa”, afirmou.
Ele também destacou que a votação da urgência respeitou o trâmite adotado pela Justiça. “Respeitamos o devido processo legal do Supremo Tribunal Federal concluir o julgamento das pessoas envolvidas”, disse a jornalistas.
Apesar disso, a decisão gerou insatisfação na base governista. Parlamentares governistas afirmaram que o Planalto não foi informado previamente sobre a inclusão na pauta.
Governo reage e critica falta de diálogo
A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, havia se reunido com Hugo Motta na véspera do anúncio, mas, segundo interlocutores do governo, não teria sido informada da intenção de levar o projeto à votação.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também foi pego de surpresa. Pessoas próximas ao chefe do Executivo consideraram que a condução do processo poderia ter sido mais transparente.
Integrantes do governo avaliam que o projeto pode gerar instabilidade institucional ao revisar penas já fixadas pelo Judiciário.
Urgência foi aprovada em setembro
O trâmite acelerado do projeto começou em setembro, quando o plenário aprovou o regime de urgência para o projeto de anistia apresentado pelo deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), que acabou abrindo espaço para a construção de uma alternativa com menor resistência política: a redução das penas, em vez da anistia total.
A relatoria ficou a cargo de Paulinho da Força, que iniciou articulações para viabilizar um texto capaz de obter maioria no plenário. Partidos do Centrão passaram a defender uma revisão das penas como alternativa intermediária entre punição e anistia.
Divergências entre oposição e governistas
O projeto encontrou resistência tanto no governo quanto entre setores da própria oposição. Enquanto governistas defendem a manutenção integral das punições impostas pelo STF, aliados de Bolsonaro defendiam, inicialmente, uma “anistia ampla, geral e irrestrita”.
Com o avanço do PL da Dosimetria, o PL acabou aceitando o acordo para não apresentar destaques ao texto durante a votação, viabilizando sua aprovação em plenário.
Segundo o líder da bancada, a aprovação da matéria representa “o primeiro degrau” no caminho para novas discussões sobre anistia.
Próximos passos no Senado
Com a aprovação na Câmara, o projeto agora será analisado pelo Senado Federal, onde deverá passar por novas discussões e poderá sofrer alterações. Caso os senadores promovam mudanças no texto, a proposta retorna à Câmara para nova votação.
Especialistas em Direito Constitucional ouvidos por veículos nacionais apontam que, se aprovado definitivamente, o projeto poderá gerar debates sobre interferência legislativa em decisões judiciais já transitadas em julgado.
A aprovação do PL da Dosimetria pela Câmara dos Deputados representa uma mudança significativa nos critérios de cálculo das penas dos envolvidos nos atos de 8 de janeiro. A proposta fixa percentuais mínimos de cumprimento de pena, redefine regras de progressão de regime e pode impactar condenações já estabelecidas pelo STF.
A votação expôs divergências entre o Congresso e o governo, gerou reações políticas e abriu caminho para novos debates no Senado. O futuro do projeto será decisivo para definir os rumos da responsabilização penal dos envolvidos nos ataques às instituições democráticas.

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